“We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.”
T.S. Elliot
(Este artigo contém SPOILERS sobre o filme Philomena. Adie a leitura, se pretende se surpreender com o filme)
É assim, citando essa passagem de T.S. Elliot, que Martin (Steve Coogan), o jornalista que acompanha a ingênua Philomena (Judi Dench) na sua busca pelo filho ilegítimo, que lhe foi tomado por freiras católicas e vendido a uma família americana há 50 anos, responde ao comentário da companheira de que haviam voltado ao ponto de partida (“We’ve come full circle”) no final da longa jornada pela qual passaram.
A busca a leva da Grã-Bretanha a Washington, em companhia do jornalista, que, contratado por um tabloide, escreverá um cínico artigo de “interesse humano”, explorando o lado mais popularesco, açurado e sensacionalista da história, comprometendo-se, em recompensa, a bancar todos os custos da procura do filho “roubado”. Mas, com o desenvolvimento da relação entre ambos, ele começa a perceber que a história de Philomena é bem mais complexa e dolorosa, e talvez não mereça este tipo de exposição pública.
Na juventude, passada na Irlanda no início da década de 50, Philomena, depois de um breve flerte, cede aos impulsos e “desejos da carne”, e engravida. Seu pai a envia à Abadia de Sean Ross em Roscrea para o parto. As freiras, na mais estrita rigidez moral e religiosa, como convém à época, consideram aquilo um pecado grave, pelo qual Philomena deve penar, tanto na dor do parto difícil, como na obrigação de trabalhar duro na lavanderia do convento pelos próximos 4 anos, como uma escrava, até quitar sua dívida de 200 libras pelas despesas assumidas pelas freiras. Seu filho, Antony, é finalmente “vendido” para uma família americana.
A própria Philomena, como boa católica, internaliza de tal forma os preceitos religiosos, que se sente inteiramente responsável e culpada pelo seu próprio destino, e está de acordo com as punições infligidas pelas freiras. Por 50 anos, no entanto, nunca esqueceu esse filho, e agora, com ajuda da filha que teve posteriormente, e de um jornalista desempregado, decide que precisa reencontrá-lo, simplesmente para saber o que foi feito dele. Já havia tentado antes, mas sempre se defrontou com um paredão de resistência das freiras, uma vez que, por espontânea vontade, assinara um documento abdicando da criança e prometendo jamais procurá-la depois da adoção.
Usando os contatos que tem nos EUA, onde já trabalhara anteriormente, Martin finalmente descobre que Antony, que passou a chamar-se Michael na nova família, morrera já há alguns anos. Era um bem-sucedido advogado trabalhando na administração Reagan e… gay, escondendo esse fato da sua vida pública, como era comum na época. Morrera de AIDS.
“Philomena”, com personagens complexos, personificados por fulgurantes atuações de Dench e Coogan, é uma história aparentemente simples e direta, emocionando pela honestidade e carisma dos personagens principais. Nada de sentimentalismos ou grandes arroubos emocionais: tudo muito contido, sutil, com momentos de humor, mas profundamente pungente. Além disso, a beleza física de JUDI DENCH enche os olhos do espectador. Beleza que resiste ao tempo, não APESAR das profundas rugas que se cruzam nas mais diversas direções no seu rosto de 80 anos, frequentemente em close-up na tela, mas justamente POR CAUSA delas!
Mas o filme é mais profundo. Um dos temas é o claro paralelo entre mãe e filho, que são “pecadores” irredimíveis aos olhos da igreja católica, enfrentando os preconceitos mais violentos e típicos das diferentes épocas e sociedades em que viveram, e recebendo por suas transgressões (o amor físico fora dos padrões estabelecidos) as punições mais cabíveis. Também ambos se sentiam culpados e se envergonhavam da sua conduta. Estigmatizados pela sociedade e por si próprios.
Outro tema interessante é o confronto entre a espiritualidade de Philomena – cujo nome em grego quer dizer AMIGA DA FORÇA, e também o nome de uma obscura santa mártir – e o materialismo ateu e cínico de Martin. Fica evidente no filme que, apesar de todo o sofrimento e sentimento de culpa causados pela rigidez da religiosidade simplória de Philomena, ela parece ser uma pessoa mais em paz consigo do que Martin, que não parece ser bem sucedido na vida pessoal ou profissional. Os fantasmas de Martin são bem seculares e mundanos, mas não deixam de ser fantasmas, assim como o filho de Philomena.
Me ocorreu também que o filme pode ser visto como uma metáfora da aceitação de uma mãe pela orientação sexual do filho. Ou seja, essa separação de 50 anos seria o tempo que Philomena levou para digerir o fato e aceitá-la como mais um aspecto da experiência e diversidade humana (apesar de no contexto do filme, no nível mais superficial da história, a mãe não expressar a menor surpresa ou ressentimento quando lhe falam sobre as preferências de Antony/Michael, dizendo que sempre soube que o filho era um “gay homosexual”, na sua impagável simplicidade). Mas talvez essa interpretação possa estar um pouco longe das intenções do diretor Stephen Frears. Não convém explorá-la mais aqui.
Agora é nossa vez de voltar ao início deste artigo, e concluir o significado do poema de Elliot no contexto do filme.
Como no poema, sim, pelo menos fisicamente, Philomena e Martin voltam ao ponto de partida, à Abadia de Sean Ross. Mas, assim como estamos noutra estação do ano, com os campos cobertos de neve, algo mudou: os protagonistas têm agora uma perspectiva totalmente diferente, a viagem e as descobertas os transformaram, embora suas convicções mais profundas se mantenham as mesmas. Aprenderam a aceitar um no outro as diferenças. Philomena concorda que Martin publique a história (o que inevitavelmente trará críticas à igreja que sempre protegeu) e ele lhe presenteia uma estatueta de Cristo para adornar a lápide do filho. Parece haver uma negociação em processo, um visível início de aceitação e respeito pelo ponto de vista alheio.
Au Revoir
Jorge Sette.