Este blog está começando a parecer um guia turístico, já escrevi sobre meus lugares preferidos em Londres e Sampa, e estou sendo cobrado por meus amigos cariocas para cantar as belezas locais. Como estou certo que linguagem e cultura são inseparáveis, vamos a mais um post sobre outra das cidades mais fantásticas do planeta. Lembram-se do que falei num post anterior? É só seguir a rota das Olimpíadas, e o caro leitor chegará a alguns dos aglomerados urbanos mais especiais do mundo.
Recife versus Sampa versus Rio
Cresci em Recife, moro em Sampa há mais de vinte anos, e vou ao Rio sempre que posso, umas quatro vezes por ano. Recife para mim são as recordações da infância, a família, tapioca, um verde luminoso e onipresente, e a temperatura da água do mar mais gostosa do mundo. Sampa é o trabalho, a vida adulta, a maturidade com as delícias e dores que a acompanham, além da conveniência de morar no lugar que oferece a melhor infraestrutura do país. Já o Rio…
…Bem, o Rio, e a zona sul em especial, sem querer parecer um clichê de novela da Globo, é certamente o lugar para onde irei depois de morrer, se o paraíso existe. Ipanema é meu conceito de Céu. Uma fantasia de felicidade eterna, que um fim de semana prolongado ou 15 dias de férias podem proporcionar. Claro que é melhor justamente porque dura pouco, e não dá muita chance de se defrontar com os problemas por que passa o carioca típico no seu dia a dia. Nenhuma cidade brasileira oferece a segurança e conforto que são tidos como certos e garantidos nos EUA ou na Europa. O Rio não é exceção.
Já chegando ao aeroporto no Rio, uma sensação de bem-estar e excitação tomam conta da minha alma. A imaginação voa como os periquitos, tucanos e papagaios do desenho animado RIO, que é a idealização perfeita do espírito carioca. O sotaque aportuguesado, cheio de chiados e Rs aspirados, a ditongação diferenciada das palavras (vela= viela, doze=douze), a informalidade absoluta dos motoristas de táxi, que chegam a cutucá-lo para expressar uma idéia ou fazer-lhe uma pergunta…tudo me encanta. E o cronômetro inexorável começa sua dolorosa contagem regressiva de quanto tempo ainda falta para o embarque de volta para Sampa. Há tanto que fazer e falar sobre o Rio, que só me atreverei a contar alguns dos programas que faço quando tenho a sorte de me encontrar na capital carioca.
Ipanema e o Arpoador
Em geral me hospedo num hotelzinho em Ipanema. Nada em Ipanema é barato, mas já que é o bairro que mais frequento e onde faço a maioria dos meus programas, vale a pena o sacrifício, para poder passar o dia todo perambulando pelas redondezas, sem preocupação de pegar um transporte para ir a um hotel noutro bairro.
Sentar-se de frente para o mar ou para o Morro Dois Irmãos, nas cadeiras de praia alugadas das inúmeras barraquinhas que vendem bebidas, saboreando um açaí geladinho, é uma sensação que não tem preço. Se o dia não estiver nublado (ao menor sinal de nuvens ou possibilidade de chuva todo e qualquer carioca evitará a praia, mas não os paulistanos ou outros turistas, que têm seus dias contados!) já se começa a comentar na praia que “hoje vai dar por do sol”. Isso significa que você terá a oportunidade de, no final do dia, instalar-se na Pedra do Arpoador, na divisão entre Copacabana e Ipanema, e admirar uma bola de fogo avermelhada mergulhando no mar sob os aplausos de idólatras deslumbrados. Estatisticamente, a região do Arpoador é a área do Brasil onde as pessoas são em média mais felizes. Me pergunto por quê!
Por do sol, visto da Pedra do Arpoador. CLIQUE EM QUALQUER FOTO PARA VÊ-LA AMPLIADA.
Livraria da Travessa
Depois do por do sol, ainda com a sensação de que presenciei algo único – embora possa se repetir quase todos os dias – em geral me dirijo à Livraria da Travessa, com seu charme, ótimo atendimento, e a oportunidade de cruzar casualmente com celebridades da televisão brasileira. Não se pede autógrafo no Rio, já que todos estão mais do que acostumados a encontrar artistas e jogadores de futebol em todos os lugares, especialmente na praia. Mas um paulistano ainda pára meio boquiaberto quando percebe que Rodrigo Santoro ou Andrea Beltrão estão tranquilamente vasculhando a prateleira de livros a seu lado na Travessa.
Livraria da Travessa, Rio.
Urca
Quando saio de Ipanema, em geral pela manhã, que é a hora menos quente do dia, e antes de ir à praia, vou em geral à Urca. Caminhar pela pouco conhecida Pista Claudio Coutinho, que circunda o Pão de Açúcar, é sempre uma ótima forma de se exercitar. O lugar é cercado de vegetação, que se abre aqui e ali, mostrando trechos magníficos de mar azul, ilhas cercanas e navios que passam ao longe. Micos cruzam seu caminho ou o observam curiosos dos galhos mais baixos das árvores. Tem em geral uma temperatura mais baixa que a da cidade naquele momento. Aproveito depois para fazer um lanche num dos botecos que circundam a praia da Urca e comer empadinhas, casquinhos de caranguejo, ou outros salgadinhos típicos.
Jorge na Pista Claudio Coutinho, na Urca.
Jardim Botânico
O Jardim Botânico, com cerca de 6500 espécies de plantas, em estufas ou ao ar livre, é outro dos meus passeios favoritos. Sempre que estou no Rio, procuro reservar um tempo para passar por baixo daquelas palmeiras-imperiais centenárias, curtir o orquidário, e tomar um café olhando para o Cristo Redentor, que disputa com o Sol o título de divindade maior do Rio.
Jorge no Jardim Botânico, Rio.
O que ainda não fiz no Rio: voar de asa delta. Me prometi isso como presente no meu último aniversário, mas como se diz no popular, AMARELEI – tive medo e decidi adiar a empreitada. Fica aqui a promessa de que escreverei neste blog sobre essa experiência assim que for realizada.
Não, caro leitor de curta memória, o título desse post não faz qualquer referência ao famoso primeiro beijo gay da televisão brasileira (ou melhor, da maior emissora de TV brasileira em horário nobre, porque me parece que outros beijos, menos concorridos e populares, já houve). Acho que esse assunto já está esgotado.
O título diz respeito ao primeiro verso de uma canção do compositor Caetano Veloso, chamada Língua, popularizada nos anos oitenta, cuja primeira estrofe segue mais precisamente assim:
Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E um profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa, (etc, etc, etc)
É um hino de amor às idiossincrasias e ao potencial criativo e vibrante da variante brasileira da língua portuguesa. Sem negar sua origem europeia, mas ressaltando o rico substrato local sobre o qual se formou, a gama de influências que a forjaram, e que a tornaram de uma plasticidade e “antropofagia” invejáveis.
Mas tampouco estou aqui para enaltecer Caetano, que ele não precisa de mim para isso. Meu ojetivo é alertar o leitor, caso seja professor, aluno e mesmo amigo e parente de estrangeiros, do aumento espetacular do interesse internacional pela “Última flor do Lácio, inculta e bela” – outra referência à nossa língua, do poeta Olavo Bilac (prometo, esta é a última!).
Evidentemente, as razões econômicas e a dinâmica do mercado, com o Brasil entre as 10 maiores potências econômicas do planeta, e em pleno crescimento (apesar dos soluços do processo) são o motivo primordial desse renovado interesse. O fato de termos sido escolhidos os anfitriões da Copa do Mundo neste ano, e das Olímpiadas em 2016, certamente contribui também para esse aumento da popularidade da língua. Afinal, fazer negócios com brasileiros em sua própria terra, em Português, certamente ajuda.
Se essas não são razões mais do que suficientes para convencer o leitor de que deve se preparar para ou aprender ou ensinar português diante das oportunidades político-eonômicas que se abrem, eu usaria meus próprios argumentos, inquestionavelmente mais românticos e pessoais. Vamos a eles…
Venhamos a eles: falaria, por exemplo, dos prazeres únicos de se ler Machado de Assis e José Saramago no original. Indagaria como apreciar a letra da música Vapor Barato, cantada pela cristalina voz de Gal Costa no final do belíssimo e poético filme Terra Estrangeira de Walter Salles, sem entender a nossa língua? Como mergulhar de cabeça (as metáforas marítimas são sempre muito bem-vindas em se tratando de produtos brasileiros e portugueses) na trama complicada e nas nuances verbais do violento Cidade de Deus (filme ou livro, pois não acredito que o turista vá se aventurar nessa área da zona oeste da capital carioca), e, mesmo assim, admito que ele precisaria chegar a um nível mais que intermediário da língua para conseguir decifrar as gírias e a gramática peculiares ao tráfico.
Finalmente, como brasileiros hospitaleiros, é nosso dever lembrar ao gringo que, depois de poucos dias no Rio, uma vontade visceral de adaptar-se ao local e assumir sua persona carioca, e quiçá ser confundido com os nativos, corroerá sua alma de imigrante, turista ou mulher de negócios!
Ao estirar-se nas confortáveis cadeiras de praia, diante de um magnífico marzão em dia de ressaca (e sem poder associar as rebeldes ondas aos olhos de Capitu (OK, quebrei a promessa, fiz mais uma referência literária local!! Me considero culpado.), com uma caipirinha na mão e o olhar fixo nos corpos esculturais das garotas e garotos de Ipanema, que se encontrarão espalhados à sua volta no Posto 9, nosso amigo gringo se perguntará por que não se dedicou mais ao estudo dessa bela língua: “Chomsky, seu sacana – dirá amargurado – por que não posso ajustar meu LAD (language acquisition device, mecanismo inato, que , segundo o teórico, já vem preparado para absorver a língua nativa quando somos crianças) para a aprendizagem natural e automática do Português?” E prosseguirá: “Deus, vós que sois brasileiro, como poderei celebrar as vitórias e os gols brasileiros da vindoura Copa, e discutir os detalhes dos jogos com esses torcedores bravios, sem fluência no idioma nativo?”
Deus responderá, mas em português, e o gringo não entenderá.
Daí já será tarde demais!
Ipanema, Rio. Clique para aumentar.
Bem, acho que já lhes dei motivos mais do que suficientes para desejarem que suas línguas rocem a de Camões.
Num proximo post, lhes contarei minha experiência de ensinar português para estrangeiros, numa época em que nossa língua nem era tão popular assim, em Lisboa e no Algarve, como falante nativo de PORTUGUÊS “BRASILAIRO” (como se é pronunciado em Portugal).