Depois de morar na Inglaterra por quase 18 meses em 88/89, a coceira de viajar recomeçou, e como havia tido o convite de um colega de escola em Bournemouth para visitá-lo no Algarve, resolvi aproveitar a aportunidade e passar um tempo em Portugal. Chegando ao aeroporto em Portugal, percebi já uma familiaridade brasileira na imigração, uma atmosfera bem diferente da formalidade e frieza britânicas. Também, saindo à rua, me chamou a atenção a luminosidade do lugar, se comparada à qual me havia exposto nos últimos 18 meses. Praticamente não houvera verão em 88 na Inglaterra.
No avião, soubera por um outro brasileiro de uma “pousada” no centro de Lisboa, com preços acessíveis e uma dona muito simpática. Uma vez que não fizera reserva, resolvi ligar de um telefone público para a tal senhora da pousada. Já ao telefone senti dificuldade em entender o sotaque lusitano, e me parecia que a dona da pousada se dirigia a mim de forma estranha: ‘Sim, senhôra, temos vagas! ‘ Não podia acreditar que ela estivesse confundindo meu sexo, pois minha voz mudara muito cedo na adolescência, e não havia dúvidas de que depois dos vinte anos eu tinha defitivamente o timbre masculino na voz! Resolvi passar a falar em inglês com ela, daí foi que me dei conta de que o seu uso de “SENHÔRRRRRR (A) era apenas uma questão de sotaque! Definitivamente, não estávamos no Brasil.
Instalado na pousada, saí imediatamente a procurar emprego. Havia a necessidade de regularizar uns tais de RECIBOS VERDES para trabalhar legalmente, e dei início ao processo. Não havia demanda para professores de inglês, pois havia muitos ingleses na região, e eles ocupavam os cargos, mas não tive problemas em me distinguir como PROFESSOR DE PORTUGUÊS BRASILAIRO, como dizem por lá, e logo logo tinha emprego em duas escolas.
Claro que o ensino de português como língua estrangeira não dispunha dos mesmos avanços metodológicos e materiais didáticos que o ensino de inglês na época. Além disso, eu havia sido professor na Cultura Inglesa de Recife, que, além de usar os livros didáticos mais atuais do mercado, se destacava pela imensa quantidade e qualidade de materiais didáticos extras disponíveis na sala dos professores. Havia material suplementar para qualquer ponto linguístico que se precisasse ensinar. Portanto estranhei bastante a carência de recursos no começo.
Eu era o único professor brasileiro nas duas escolas em Portugal. Ou seja, tudo estava sob minha responsabilidade: desde a escolha dos livros, criação da metodologia, seleção de materiais suplementares. Desafios excitantes. Além disso, era ótimo sentir-se falante nativo da língua, um gostinho que obviamente nunca tivera ao ensinar inglês.
Tive alunos bem interessantes. Como a demanda por português brasileiro não era tão grande na época, em geral eram aulas individuais. Todos os meus alunos, tanto em Lisboa, como depois no Algarve, eram alemães. Havia também uma suíça, de mãe brasileira.
Tive uma aluna alemã que se dizia escritora feminista, adorava Caetano Veloso, e me levou a um show dele em Lisboa (pagando a minha entrada). O show foi maravilhoso (nunca vira Caetano ao vivo no Brasil), apesar de me sentir um pouco constrangido quando a aluna cantava a plenos pulmões “réptil camaleoa” acompanhando o cantor: como o leitor deve saber, o verso original, sem a adaptação criativa da minha aluna, seria “rapte-me, camaleoa!”. Claro que a primeira coisa que fiz foi ensinar-lhe a letra na próxima aula, e quando vi a surpresa nos olhos dela, não tive coragem de comentar o erro anterior, ela havia notado, sem dúvida!
Tive ainda, como alunos, um casal de operários alemães que se mudaria para o Brasil para trabalhar com Lula e apoiá-lo na campanha presidencial de 1989.
Logo depois, uma das escolas me convidou para ensinar na sua filial em Faro, no Algarve. Ali, tive um aluno alemão, executivo da Siemmens, que viria morar no Rio, e a tal aluna suíça, filha de brasileira, que já falava seis línguas. As aulas dos dois eram separadas, mas fazíamos muitos passeios juntos pelo sul de Portugal, que eram na verdade uma continuação das aulas. Me sentia um pouco como Maggie Smith no filme Primavera de Uma Solteirona, saindo em excursões e jantando com os alunos. Só que todos eram mais velhos que eu!
Engraçado como ser falante nativo da língua que se ensina pode levá-lo a surpreender-se com pontos linguísticos sobre os quais nunca cogitara antes: um aluno me perguntou a regra de uso do subjuntivo depois das conjunções APESAR DE QUE, EMBORA, SE, etc….não soube explicar…acho que até hoje não sei. Também aprendi muito sobre as diferenças entre o português brasileiro e o lusitano. Até mesmo com os próprios alunos. A listinha abaixo (do site http://www.soportugues.com.br) lhes dará uma idéia, por exemplo, de diferenças de vocabulário que podem causar-lhes certos problemas:
Português do Brasil
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Português de Portugal
|
abridor | tira-cápsulas |
açougue | talho |
aeromoça | hospedeira de bordo |
apostila | sebenta |
bala | rebuçado |
banheiro | casa de banho |
cafezinho | bica |
caixa, caixinha | boceta |
calcinha | cueca |
carteira de identidade | bilhete de identidade |
carteira de motorista | carta de condução |
celular | telemóvel |
conversível | descapotável |
faixa de pedestres | passadeira |
fila | fila ou bicha (gíria) |
geladeira | frigorífico |
grampeador | agrafador |
história em quadrinhos | banda desenhada |
injeção | injeção ou pica (gíria) |
meias | peúgas |
ônibus | autocarro |
pedestre | peão |
ponto de ônibus | paragem |
professor particular | explicador |
sanduíche | sandes |
sorvete | gelado |
suco | sumo |
trem | comboio |
vitrine | montra |
xícara | chávena |
Bem, só não havia “telemóvel” naquela época! Por hoje é só. Mais sobre ensino/aprendizagem de línguas num futuro próximo.
Au revoir.
Jorge Sette