Sabe-se que os jovens de hoje escrevem muito mais do que os de qualquer geração anterior. Isso se dá sobretudo pelo fato da maior parte da socialização ocorrer online, através de textos. Mas, para muitos, ainda é bastante difícil estruturar um texto mais longo ou talvez um pouco mais formal do que simplesmente escrever “MIAU, MIAU” no quadro de comentários do selfie da amiga com seu gatinho no Facebook.
O processo da escrita
Gostaria portanto de compartilhar com meus leitores algumas técnicas básicas de processo da escrita para ajudá-los nessa cada vez mais requerida destreza ou habilidade. O que se chama em inglês de “process writing” (que traduzi aqui como o processo da escrita) enfoca as fases ou passos do desenvolvimento da produção de um texto. Professores de línguas tendem a se concentrar na correção do produto final, em vez de estimular, enriquecer com feedback, gerenciar e ajudar o aluno a lapidar cada fase desse processo. Devemos, escritores e professores, nos concentrar em cada passo individual da rota, o que necessariamente resultará num produto final mais aprimorado.
Os passos do processo da escrita, com os quais a maioria dos especialistas concorda (com pequenas variações quanto à nomenclatura e o número das fases) não devem ser vistos como uma camisa de força. Cada escritor desenvolve sua técnica de criação própria eventualmente, e, em consequência, uma voz distinta. Mas se você está começando a desenvolver sua escrita, esses passos táticos que delinearemos a seguir serão muito úteis, tenho certeza. Quando você se tornar um Oscar Wilde, Machado de Assis, uma Virginia Woolf ou alguns dos excelentes escritores da revista The New Yorker, talvez faça adaptações ou salte alguns dos passos abaixo. Mas a estrutura profunda é sempre a mesma. Vamos a um resumo desse passos.
Fase 1 – Inspiração
Não espere pela musa, a escrita é uma atividade proativa. Vá à luta na busca por ideias. Pense em tópicos que lhe sejam apaixonantes, pesquise assuntos interessantes na Internet e lhes dê um toque pessoal. É importante mostrar sua própria perspectiva, personalizar o assunto que se está discutindo na rede, dar sua opinião. As ideias podem vir dos lugares mais inesperados: jornais, redes sociais, uma notícia de TV, uma foto, um filme, um acontecimento no trânsito. Olhe ao redor, tudo está acontecento. Colete todas as ideias de forma organizada, para usá-las no futuro (toda essa coleta, e mesmo a geração das ideias, pode ser feita digitalmente: blocos de notas no iPhone, app de mind-mapping para iPad, busca no Google, inspiração nos blogs do Feedly, geradores de ideias automatizados baseados em palavras-chaves (Hubspot oferece um desses para blogueiros), etc. São todos ferramentas válidas na prospecção por tópicos e sua organização, mas só a imaginação humana será capaz de filtrar tudo isso e imprimir seu ângulo e visão únicos.
Fase 2 – Rascunho
Agora é chegada a hora de priorizar todas as grandes e fantásticas ideias que lhe chegaram e foram diligentemente arquivadas, e pô-las no papel, ou no laptop, ou no tablet. Escolha um tópico, investigue quantas e quais das ideias anotadas devem se usar no tratamento específico do assunto (não tente usar tudo, o assunto pode sempre ser retomado depois, com mais detalhes). Pense no espaço físico de que você dispõe para a publicação da sua obra de arte (É um livro? Um blog post? Um comentário no Facebook? Um relatório para seu chefe? Um email para sua namorada estrangeira?). A forma e objetivos variam muito. Divida os parágrafos, selecionando a ideia principal de cada um, decidindo qual é a maneira mais interessante de seccionar e apresentar o texto. Faça quantos rascunhos precisar. Quanto mais, melhor. Determine o que será o início, o meio e o fim. Gosto sempre de começar pelo fim. Sabendo-se onde se quer chegar é sempre mais fácil construir o começo e o meio depois: lembra-se da resposta do Gato para Alice, a do País das Maravilhas?
“Would you tell me, please, which way I ought to go from here?”
“That depends a good deal on where you want to get to,” said the Cat.
“I don’t much care where–” said Alice.
“Then it doesn’t matter which way you go,” said the Cat.
Fase 3 – Revisão
Agora você vai refinar o texto, perguntado-se o que deve manter, acrescentar, cortar, substituir. Se possível, compartilhe-o com alguém de sua confiança para obter retroalimentação e comentários. A opinião dos outros tende sempre a aprimorar nosso trabalho, apontando algo que talvez não tenhamos percebido. Mas também se sinta livre para ignorar algumas das sugestões e manter o que havia escrito antes, tudo dependerá da sua autoconfiança. Considere se realmente terá usado suas melhores ideias e palavras, se escolheu a maneira mais interessante, clara ou convincente de apresentar um ponto de vista. Essa é a hora de aplicar todas as técnicas de pensamento crítico que tenho certeza você já vem desenvolvendo nos últimos anos.
Fase 4 – Edição
Aqui você vai mais a fundo no processo iniciado anteriormente. É a hora de checar e corrigir erros gramaticais, de ortografia, pontuação, adequação do uso de letras maiúsculas; o momento de consultar dicionários, procurar no GOOGLE por outra palavra mais apropriada, ver se JORGE se escreve com J ou G (o pior é que muita gente me pergunta, e estão se referindo à primeira letra não à quarta!!!)
Fase 5 – Publicação
Talvez seja ideal pensar um pouco nessa fase antes mesmo de começar a ter as ideias (a coisa da Alice e do Gato de novo). Pois é importante saber se o produto final será um livro, um poster, “infographics”, um artigo, um relatório ou uma apresentação de PowerPoint para seu chefe ou professor. Mas agora é chegado o momento de trabalharmos no visual, nos ajustes finais, antes de compartilharmos o trabalho com o público. Acrescente fotos, ilustrações, gráficos e vídeos, o que você achar que vai adicionar valor ao seu trabalho. Minha opinião é sempre que MENOS é MAIS, ou seja, tendo a publicar trabalhos mais claros e simples, e não abarrotados de ornamentos. Depois disso, levante-se, tome um café, respire fundo, se encha de coragem, e aperte o botão PUBLICAR.
Pensamentos finais
Como conselhos finais, eu diria que escrever é prática, como quase tudo na vida. A cada blog post, a cada artigo, a cada relatório, a cada email, você melhorará. Tenha como mantra MELHORAR SEMPRE, escrevendo o mais possível. Não meça seu progresso comparando-se com Oscar Wilde, mas com você mesmo ontem. Também não seja tão perfeccionista ao ponto de ficar improdutivo. Oscar Wilde tem um frase interessante sobre o excesso de zelo e perfeccionismo na escrita, e como isso pode ser inútil:
‘I have spent most of the day putting in a comma and the rest of the day taking it out.’
Au revoir
Jorge Sette.
Quando tiver um tempo leia sobre Karl Ove Knausgaard. Talvez você se interesse.
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Vou, sim, thanks.
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