O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights): uma obsessão!


O primeiro contato

A primeira vez com que me defrontei com Catherine e Heathcliff, personagens principais de O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (Wuthering Heights), eu tinha quinze anos, e eles falavam em português. A cópia que eu lia, uma bela edição traduzida, de capa dura  em vermelho da Editora Abril (veja foto abaixo), mencionava “charneca” (the moors)  e “urzes” (heather). Nunca ouvi essas palavras em português noutro contexto, e as acho impressionantes e memoráveis. Não posso dizer, portanto, que minha obsessão  pelo livro tenha sido causada pelo inglês apaixonado de Emile Brontë, a autora. Foi a história em si, o enredo, a estranheza dos personagens, com suas personalidades fortes e até mesmo violentas,  e especialmente o cenário desolado de Yorkshire, que me marcaram tão profundamente.

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O Morro dos Ventos Uivantes

Chegando ao original

Só muitos anos depois fui ler o original em inglês (confesso que até hoje tenho dificuldades com o dialeto local do personagem Joseph, o caseiro, fariseu fanático e mal humorado, sempre pontificando contra o pobre Heathcliff), e também, pude ouvir o texto em duas versões diferentes de audiobook (há várias, com diferentes narradores, disponíveis no site audible.com, que, acredito, pertence agora a Amazon). Cheguei a colecionar diferentes cópias impressas. E toda vez que vou à Livraria Cultura tenho que me controlar para não comprar uma nova, com capa e formato diferente. Tenho duas no Kindle.

Não sou a única vítima do fascínio  quase inexplicável que Wuthering Heights exerce sobre alguns leitores, conheço muitos deles. Numa editora em que trabalhei, tinha laços muito estreitos com uma colega que morava na Inglaterra. Comentando sobre nossa amizade, uma da minhas chefes me congratulou, dizendo que era muito importante manter um bom relacionamento com clientes internos. Respondi com bom humor que não se preocupasse, pois eu e a colega tínhamos um vínculo inquebrantável: nossa paixão por Wuthering Heights.

A história

Para os que não conhecem o enredo, a história,  que se passa na segunda metade do século XVIII, contada em flashbacks,  é muito simples: um orfão de Liverpool, Heathcliff, de origem possivelmente cigana, é adotado por uma viúvo, que o recolhe durante uma viagem de negócios, e o traz para morar no casarão da fazenda que dá nome ao livro,  situada num área desolada e inóspita do norte da Inglaterra, cercada pela charneca (saboreio essa palavra com prazer, como se fosse uma fatia de cheesecake). O viúvo tem um filho e uma filha, Catherine (Cathy), que, a princípio, desprezam e maltratam o recém-chegado.

Catherine e Heathcliff, no entanto, são espíritos livres e selvagens, e, é claro, não demoram a se encontrar um no noutro. Passam o dia brincando e correndo pela charneca (olha essa palavra aí de novo!), até que o inevitável acontece: se apaixonam. Surpreendentemente, Catherine decide se casar com um vizinho mais endinheirado, pois, para ela, a posição social é tão ou mais importante que o amor. Heathcliff a entreouve, sem que ela perceba, quando Cathy confessa à governanta (a narradora principal da  novela) que seria humilhante casar-se com ele, apesar de ser a sua alma gêmea. “I am Heahcliff”, ela diz em certo momento, numa frase icônica,  mostrando que o sentimento dos dois vai muito além de uma mera paixão física.  Mas Heathcliff não chega a ouvir esta parte, pois já decidiu que não pode viver mais ali  e se vai.

Anos depois ele retorna, rico e poderoso. O resto da história é uma intriga de amor, ódio, ciúmes e vingança – não, não é novela das oito da Globo, sei que há paralelos, mas não se enganem. Tudo isso envolto numa atmosfera gótica, com a violência da geografia e das condições climáticas (frio, chuva, neve e vento) não apenas servindo como pano de fundo, mas refletindo e reproduzindo, na natureza, as paixões dos personagens principais.

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Versão cinematográfica clássica, de 1939.

Os filmes

Vi duas versões cinematográficas do livro: a clássica,  de 1939, com Lawrence Olivier no papel de Heathcliff e Merle Oberon no papel de Catherine, e uma mais recente, dirigida por Andrea Arnold, de 2011. A que prefiro é esta última,  que ousa escalar um ator negro para o papel de Heathcliff. Esta versão para mim é a que reflete mais fielmente os personagens do livro. É uma versão mais sombria,  cheia de silêncios e imagens impactantes do desolamento da região. Com atores em ótimas interpretações. Veja clip abaixo.

Por fim

Como conclusão, ressaltaria que a literatura, além do prazer (e obsessões)  que proporciona e da capacidade que tem de aumentar nossa empatia, colocando o leitor numa posição privilegiada para apreciar  e entender o ponto de vista e a perspectiva de terceiros, é também uma forma eficaz de aprendermos ou aprimoramos  uma língua estrangeira.

Au revoir

Jorge Sette.